” Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto a minha paisagem;
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Nota à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: Fui eu?”
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa. Não sei quantas almas tenho.
Imagem: pinterest/Architectural Digest
Santarém, Pá 28 de abril de 2022
